Comportamento

A presença delas nas letras hoje é celebrada

Clubes de leitura que se debruçam exclusivamente sobre os títulos lançados pelas mulheres ajudam abrir cada vez mais espaço para o trabalho das autoras

Divulgação DP - Leitoras de Rio Grande se uniram ao projeto Leia Mulheres, criado em São Paulo em 2014 e hoje passam adiante a fórmula proposta

Os homens sempre tiveram o protagonismo no meio literário, resultado das pressões socioculturais que por séculos desfavoreceram ou intimidaram o público feminino e diminuíram a produção literária delas. Mas essa realidade mudou e se até o início do século 20 elas se escondiam por trás de pseudônimos masculinos, no 21 as escritoras não poupam esforços para mostrar a potência da escrita feminina. Um trabalho que ganhou aliados nos clubes de leituras que apostam nas obras delas como fonte de entretenimento, conhecimento e conversão para uma sociedade cada vez mais plural, empática e igualitária.

Há nove anos, por exemplo nascia a campanha #readwomen2014, da autora inglesa Joanna Walsh. Um ano depois São Paulo acolhia o clube de leitura #LeiaMulheres, iniciativa que se espalhou pelo Brasil e, na Zona Sul, tem representantes em Rio Grande, desde 2016.

Uma das mediadoras do Leia Mulheres rio-grandino, a poeta Lucilene Canilha Ribeiro, professora de Língua Portuguesa e Literatura do IFSul/CAVG, conta que percebe uma mudança muito grande desde quando começou a estudar a literatura de mulheres ainda na graduação, em 2010. "É uma mudança incrível. Claro que existiam mulheres que insistiam nessa ideia de lermos outras mulheres, mas era uma coisa meio de nicho. Hoje isso se expandiu bastante e o Leia nasceu com esse intuito de promover mulheres porque havia, inclusive, uma resistência das editoras aceitarem que o livro iria vender bem e era aceitável para todos os públicos."

Lucilene passou a integrar o Leia Mulheres em 2017, junto com ela, respondem por este clube as mediadoras, Arita Garcia, Márcia Chaplin e Paula Machado. Os encontros são mensais, antes presenciais, agora virtuais. "Os encontros têm em média 10 a 15 pessoas, mas durante a pandemia (quando passaram a ser virtuais), percebemos que esse número aumentou, porque pessoas de outros lugares viam qual o livro iríamos ler e entravam na sala." Foi dessa forma nasceu um grupo em Encruzilhada do Sul, a partir da presença de duas internautas deste município que gostaram da proposta e a replicaram por lá.

A mediadora antecipa que o clube não costuma fazer nenhuma atividade especial para o dia 8 de março, dia Internacional das Mulheres. "Nós celebramos a literatura feita por mulheres o ano inteiro", diz. O próximo encontro ocorrerá dia 11.

Diversidade como balizador


Inicialmente o grupo indicava títulos a serem lidos, mas sem um critério balizador. Há três anos as mediadoras passaram a se preocupar em levar maior diversidade para os integrantes do grupo. "A gente procura estabelecer uma diversidade não só de tipos textuais, por exemplo, a gente lê quadrinhos, romance, poesia, mas também uma diversidade racial e de localização", conta.

Älém dos clubes de leitura, Lucilene vê ainda outras fundamentais contribuições para que mais mulheres estejam escrevendo mais e sendo lidas hoje, como a própria academia que vem estudando a presença feminina nas letras. "De mulheres produzindo aqui na América Latina e repassando essa crítica. O mercado editorial ter se diversificado também ajudou. Hoje temos uma série de editoras feministas e isso fez com que o mercado se diversificasse, fazendo com que editoras grandes começassem também a olhar mais positivamente à essas mulheres."

Ao longo destes anos destaca Lucilene, ações como o do Leia têm ajudado a impulsionar a ideia de que as mulheres sabem escrever e suas obras são vendáveis também. "Se impulsionou a questão de ler mulheres, não só nas vendas, mas também na construção de um imaginário, que é necessário parar e prestar atenção no porque líamos só homens."

Nas reuniões os integrantes abordam desde uma avaliação mais pessoal e estética sobre a obra, passando pelas minúcias do enredo, até as questões que levam os leitores a pensar sobre a vida destas autoras. "As vezes lemos um livro mais antigo e ficamos pensando como era a posição dessa autora na sociedade, como ela era vista, porque não foi tão lidas. A gente tem casos como a Maria Firmina que escreveu na época do Romantismo e foi redescoberta no final do século 20. ,A única questão que a afastou do cânone era porque ela era uma mulher e negra."


UFPel terá clube de leitura


Pela primeira vez a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) vai oferecer um clube de leitura com foco na escrita feminina e aberto à comunidade. O Ler Mulheres, coordenado pelas professoras Beatriz Helena da Rosa, Patrícia Silveira e Vanessa Damasceno, estas duas últimas do Centro de Letras, terá início este mês, no dia 23.

A professora Vanessa Damasceno conta que antes de ingressar na UFPel, há mais de dez anos, alimentava o desejo de integrar um clube de leituras em que se pudesse ler obras de mulheres e se dialogasse com outras mulheres. Somente Beatriz não é professora da Universidade, mas têm experiência com clubes de leitura, por este motivo foi convidada para contribuir na organização deste. "Eu já participei de grupos, mas nunca tinha conseguido colocar em prática esse desejo meu, primeiro quanto mulher e segundo, quanto professora de um curso de Letras", fala Vanessa.

A proposta é de encontros mensais, presenciais, em locais diferentes, na última quinta-feira de cada mês. A abertura será na UFPel, mas posteriormente, as reuniões do Ler Mulheres poderão ocorrer em outros locais públicos. De início a ideia é levar aos membros do clube títulos escritos por autoras que elas já leram. "O nosso ponto de partida foi quais as mulheres que nós já lemos e gostaríamos de ler de novo e compartilhar com outras leitoras e obviamente o clube é para todas as pessoas que querem ler mulheres", diz Vanessa.

Entre as autoras destacadas para o semestre de abertura do clube estão nomes como o de Patrícia Galvão, Annie Ernaux, Conceição Evaristo e Carla Madeira. As autoras escolhidas trazem diferentes olhares e vivências. "Procuramos escolher mulheres brancas, negras, LGBTQI +, trazendo mulheres de todos os universos. A cada encontro vamos discutir as autoras e as temáticas abordadas por elas também." O clube ainda tem inscrições abertas pelo link: https://forms.gle/eLsmiKipPV9PnGBT9 .

Vanessa diz que as mulheres sempre escreveram, mas foi de uns 10 anos para cá que as autoras passaram a ganhar mais visibilidade na mídia. "Os homens estavam mais na mídia, vejo que de um tempo para cá a mulher deixou de ser invisível por aquilo que ela escreve. Acho que o fato de as mulheres também estarem incentivando a leitura de outras mulheres tem feito a diferença", fala.

Para a professora neste sentido, os clubes de leitura ajudam não só a publicizar suas escritoras, mas também a estimular o hábito de ler, um importante fator de mudança de comportamentos. "Um dos meios para a gente ter essa igualdade e esse protagonismo na sociedade é pela literatura. Ela faz com que as pessoas se empoderem, consigam ter um ambiente mais respirável e esse é também um dos nossos objetivos, mostrar a importância da mulher."

Autora aos 80 anos

Se tem quem leia de um lado há as que escrevem de outro. E não precisa ser jovem para começar, basta querer. A historiadora e professora aposentada Helena Heloísa Manjourany Silva lançou seu primeiro livro, As brumas de Pelotas (170 páginas, Pragmatha), no ano passado, quando celebrou os 80 anos de vida.

A obra traz mais de 50 contos e crônicas ficcionais inspiradas em fatos, prédios e monumentos históricos da terra natal. "Eu sempre pensava em lançar um livro, mas ia guardando as crônicas e contos", fala ao lembrar que o tempo passava e as outras atividades da vida iam se sobrepondo aos seus escritos.

Ao unir contos escritos há 30 anos, por exemplo, a outros bem recentes Helena confessa que sua visão de mundo e escrita mudaram muito. Da sua fase de juventude até a maturidade ela percebe uma grande diferença. "Hoje eu tenho outra visão dos fatos, o próprio papel da mulher mudou. Também sigo me reciclando. As coisas mudaram e a gente está aí pra acabar com qualquer intolerância. A própria história a gente muda."


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